segunda-feira, 17 de outubro de 2011

SOCIEDADE x POLÍCIA x BANDIDO

"Somos uns 150 homens, aproximadamente. Sempre que se quis aumentar esse número, deu merda. Não é fácil ingressar no BOPE. Isso eu posso garantir. Não é para qualquer um. Temos um puta orgulho do uniforme preto e do nosso símbolo: a faca cravada na caveira. Os marginais tremem diante de nós. Não vou iludir você: com os marginais, não tem apelação. À noite, por exemplo. não fazemos prisioneiros. Nas incursões noturnas, se toparmos com vagabundo, ele vai pra vala. Sei que essa política não foi correta. Agora, não tem mais jeito. A gente mata ou morre. Antes da implantação dessa política, há muitos anos, o marginal se rendia, quando se via inferiorizado. A ordem de atirar para matar, não admitindo rendição de bandido, acabou provocando um efeito paradoxal: aumentou a resistência deles e a violência contra a polícia.
Com isso, cresceu muito o número dos autos de resistência seguidos de morte [...]. Por outro lado, multiplicaram-se os assassinatos cometidos contra policiais. Por vingança. Essa espécie de vingança ainda  mais doentia, dirigida a toda uma corporação. Espelho da vingança que nós mesmos praticávamos, às vezes contra uma favela inteira. O sangue é um veneno. quanto mais se derrama, mais fertiliza o ódio. E a roda não pára de girar. No final, todos pagamos a conta, a começar pela sociedade. Foi um insanidade aquela política. E agora? Os herdeiros da loucura somos nós. O jeito é atirar mais rápido para não morrer. Os políticos e os acadêmicos que discutam o sexo dos anjos."
BATISTA, André. Elite da Tropa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.

Estava relendo algumas partes do livro Elite da Tropa porque sabia que reencontraria nele questões que remetem ao assunto do blog: conscientização x alienação. Aliás, aconselho a leitura a todos que gostaram do filme Tropa de Elite, pois o mesmo foi baseado nas histórias verídicas desse livro. E o livro é tão bom quanto o filme... Talvez melhor.
Depois que vimos em aula o documentário Ônibus 174, achei necessário comentá-lo, então percebi que o link entre o livro Elite da Tropa, o filme Tropa de Elite e o documentário Ônibus 174 daria um bom post.
Explicando melhor: Os três contam histórias do dia-a-dia da guerra civil que há no Rio de Janeiro. Histórias comuns quando ocorrem dentro das favelas (como vemos em Elite da Tropa e Tropa de Elite), mas que se tornam trágicas aos olhos da mídia e, consequentemente, da sociedade quando ocorrem fora delas (como vemos em Ônibus 174).
Falando mais especificamente do livro Elite da Tropa: Eu adoro demais ele! Verdade. Muito bem escrito por três ex-BOPEs (Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel), apesar de eu acreditar que lá no fundo eles nunca deixam de ser BOPE, parece ser uma religião para eles ou algo acima disso, envolve honra e heroísmo. Pelo menos é assim que eles parecem pensar, e não tenho intenção de julgar esse pensamento.
A minha intenção é falar sobre algumas coisas que eu pensei e senti lendo esse livro.

Se eu pudesse definir Elite da Tropa em uma palavra, "chocante" seria óbvia demais, é uma palavra esperada (lembrando que o livro se equipara tranquilamente ao filme), então, minha palavra seria: AMBÍGUO. Não pelo livro ser ambíguo, pois não é, mas por nos sentirmos ambíguos o lendo.
As histórias do livro me fizeram, em diferentes momentos:
1 - Odiar os bandidos.
2 - Odiar os policiais.
3 - Odiar os políticos.
4 - Achar que todos somos vítimas.
5 - Achar que todos somos culpados.
6 - Odiar a (nossa) hipocrisia da sociedade.
Agora, tendo aulas sobre o Paradigma do Complexo de Edgar Morin e sendo incumbida de falar sobre o assunto do blog, me surgiu um novo pensamento.
7 - SOMOS TODOS ALIENADOS.
Sim, todos alienados a sua maneira.

Os policiais corruptos começam a se corromper nas coisas mais simples, menores (que não são tão menores assim), não percebem o verdadeiro papel que estão exercendo, a importância de seus atos. Quando se dão conta, já estão negociando com traficantes, executando ou mandando executar pessoas, metidos em guerras com os inimigos, traindo aliados, etc. Muitos se arrependem e querem voltar atrás, mas dificilmente conseguem sair do esquema, há sempre ameaças e chantagens, algo que vemos muito bem no filme Tropa de Elite.
Com os bandidos não é muito diferente, vão entrando no mundo do crime aos poucos, começam jovens, para sustentar a família, para se alimentar e se vestir, começam a usar drogas quando crianças sem nem ter noção do que é droga,  e raramente conseguem sair dessa situação bem, saem cedo, mortos, como vemos em Ônibus 174.
O BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro) segue uma política violenta que foi politicamente implantada para acabar com a violência, mas é claro, o efeito foi inverso e a violência aumentou confirmando o velho chavão "violência gera mais violência".
O autor do trecho (André Batista) falou das mortes  por ódio e vingança, disse que "o sangue é um veneno" e finaliza dizendo que todos nós "pagamos a conta". A polícia, os bandidos, a sociedade.
"Os políticos e os acadêmicos que discutam o sexo dos anjos". Esse último comentário diz onde nós estamos. Não estamos nem queremos estar a par de toda essa violência diária, de todas essas mortes que acontecem em vão. O livro fala de RJ, mas essa chacina urbana acontece em todos os lugares e é ignorada por nós, que fingimos que não vemos ou que realmente não vemos.
Estamos todos alienados sobre essa realidade, sobre como e porque chegamos a esse ponto, não sabemos todos os lados dessa história, não sabemos como, pelo menos, reduzir tanta violência. Boa parte de nós acha ótimo que a polícia mate os vagabundos. Os bandidos acham ótimo matar policiais. E nessa guerra muita gente morre.

Essa guerra corrompe e mata muita gente. E nós vemos? Nós damos importância?

Jéssica Fagundes.

4 comentários:

  1. Realmente, post muito interessante! Acredito que a sociedade como um todo está marginalizada, apresentando papéis confusos como policiais que são bandidos, políticos desonestos, professores descomprometidos, etc. Embora os conceitos 'vilão e mocinho' não existam, ainda há pessoas que querem enquadrar determinados indivíduos nestes dois termos(muitas vezes separados por classe social) e isso é um grave problema, pois olhando apenas o outro como culpado, esquecemos das nossas próprias falhas e, princpalmente, de nossa responsabilidade no contexto.

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  2. Muito bom o post!
    Sim, somos todos alienados! Não há dúvida disso. Nós sabemos o que nos contam pelas mídias, mas o que são as mídias senão notícias muitas vezes manipuladas? Nunca ficamos sabendo de tudo que está envolvido, e, sinceramente? Muitas vezes não queremos realmente saber. Damos importância de modo relativo. Nos assombramos, nos indignados, mas a verdade é que queremos distância desse tipo de coisa. Mas mesmo assim muitos tentam julgar, definir culpados, e a verdade é que não podemos fazer isso, já que nem mesmo sabemos o que está realmente envolvido. Uma vez li em um livro que dia que a história sempre tem três lados: o meu, o seu e a verdade. Qual é a verdade? Nós não sabemos, mas mesmo assim julgamos.

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  3. Ariana, muito bom o teu comentário!
    Realmente nossa sociedade cria papéis para cada pessoa e nessa divisão muitos são excluídos ou esquecidos, como no caso que a autora conta. Assim também esquecemos do nosso compromisso com o social e nos alienamos.

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  4. Verdade, Jaqueline, nós sempre procuramos a quem culpar, mas não temos como fazer isso, porque nunca sabemos a verdade, só alguns lados da história. E no caso das mídias, não sabemos quase nada,pois as notícias são sempre muito manipuladas para atender aos interesses de alguém.

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